Friday 25 June 2010

Noites




Tenho muitas vezes estas noites em que
"as minhas coisas à solta"
em mim, milhares de formas
noites em que os cheiros da casa
da roupa
do passado
são intensos.
As paredes caladas e cegas dos prédios, nenhuma luz, só a minha.
São 5 da manhã como se fora meio dia, meia vida acordada.
Duvido sempre as mesmas dúvidas,
dívidas antigas.
E sou como uma cega surda criança
na madrugada de mim, ainda chorando o choro
de sentir um nascer diferente.
Ingénua me chamaram aos 15 anos.
E é todavia obrigatório ser
esperta, capaz de viver, sobreviver "mais ou menos"
nos círculos fechados dos dias, das sombras
da convivência conveniente
ao sossego de todos.
(e EU?)

4 comments:

Fá menor said...

É preciso ser esperta... (retenho)

Bjins

M. said...

Muito, muito bonito!

Isa Maria said...

muito bonito. "E sou como uma cega surda criança
na madrugada de mim, ainda chorando o choro
de sentir um nascer diferente" Eu tb me acho assim.

jinhos meus

isabel

Maria Trindade Goes said...

Bettips:

não sei se se nasce diferente para o mundo ou se é o mundo que é indiferente a quem tem nascimento próprio.

Mas sei que os diferentes inventam a noite em todas as horas. A noite é o manto recolhido de quem se esconde e todos os diferentes são intimos daqueles seres que são as sombras.
É no ombro das sombras que encostam a cabeça e sussurram com a voz que só elas conhecem. E entendem. O mundo é indiferente às subtilezas da entoação.

Habituei-me tanto aos diferentes que lhes leio a indiferença nos olhos, nas mãos, nos gestos, no corpo. Os diferentes recolhem-se no corpo e só expôem dele o rasto absolutamente necessário para a sobrevivência.
A tal sobrevivência é a mais cruel das criaturas. Tem o poder de travar as palavras.

Também nasci diferente: uma amálgama de sangues, como um rio sem leito fixo.

Se calhar os diferentes têm a riqueza da vadiagem invisível. Ou a pobreza. Não sei.

Abraço!