Monday, 10 January 2022

O gosto de certas coisas, o filme Nomadland e a Poesia

Quando vi o filme "Nomadland", com a extraordinária actriz Frances McDormand, reparei e tentei perceber o poema que ela diz - nos seus votos de casamento - e até transcrevi a (má) tradução que apanhei:

"... Devo comparar-te a um dia de verão?..."

Encontrei o original do Soneto 18, de W. Shakespeare, em inglês antigo e da época. Tem uma cadência única. De como se escrevia o amor no séc. XVI e como é constante de beleza a poesia sobre este sentimento:

Shall I compare thee to a summer’s day?

Thou art more lovely and more temperate:

Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date;
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature’s changing course untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow’st;
Nor shall death brag thou wander’st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow’st:
   So long as men can breathe or eyes can see,
   So long lives this, and this gives life to thee

Já não é a primeira vez que o faço, encontrar referências de assuntos que me mexem com os sentimentos: do "Out of Africa" tenho apontado não sei onde, o poema que Karen Blixen diz no enterramento do seu amado Denys Finch Hatton. Foi uma cena que me tocou imenso, nesses anos 80 em que vi o filme. E lembro-me muitas vezes da imagem que esta citação refere, sendo, para mim, "África" uma pessoa ou um lugar querido:


"If I know a song of Africa, of the giraffe and the African new moon lying on her back, of the plows in the fields and the sweaty faces of the coffee pickers, does Africa know a song of me? Will the air over the plain quiver with a color that I have had on, or the children invent a game in which my name is, or the full moon throw a shadow over the gravel of the drive that was like me, or will the eagles of the Ngong Hills look out for me?"
(texto da net)
 
Relembro os meus 10/11 anos e os seguintes: das letras de canções que ia escrevendo, ao ouvi-las na rádio. Francesas e inglesas, italianas. O sentido das coisas que eu queria absorver em pleno.

A memória das pedras ao acaso: olhando-as se adivinha o passado dos sedimentos que as foram formando, séculos, milénios. A minha memória é de décadas. Mesmo se me dói, conforta o presente incerto, o futuro incógnito. Que receio tenho de a perder... A liberdade (amorfa) que teria agora, de que fujo, recordando.


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