Friday 18 March 2022

Porto (intervalo) para (re)nascer

Nestas desgarradas coisassoltas, surgiu-me o "Dias com Árvores" em 2008, escrevendo sobre o lugar onde nasci. Em borbotões me saem as memórias. E tenho ideias muito recuadas no tempo desse lugar. Filha única e criada muito só, observava e ouvia tudo: como uma pequena esponja seria o meu cérebro,  e entendimento primário, para reter assim nomes e imagens, de lugares, das pessoas e acontecimentos. Lembro-me até do que pensava! Como Mussorgsky, são "Quadros de uma Exposição", a "Promenade", a minha vida que, sendo modesta, era cheia de ilusões, criações e significados. 

Este foi o comentário que me surgiu e publiquei no lugar, em tempo atrás, que tão bem conheço e aprecio:

Pelo que pude espreitar há anos (do Centro Comercial) já nada de árvores existe. Pergunto-me quantos anos mais ficará aquele belíssimo lugar em abandono. Se era para residência universitária, os estudantes já se reformaram, certamente! Nasci por ali perto. No terreno que mostrais ao lado do bairro modesto, havia um grande palacete, do Snr. Vasques, com várias criadas de avental branco e coroa engomada na cabeça, e um cão de guarda o "Leão". A canalhada corria, quando o senhor, majestoso e de chapéu, subia a rampa para entrar o portão, para lho abrir: às vezes ele dava um tostão a algum... E palmeiras, latadas, hortências, flores e arbustos cuidados. O senhor seria dono ou associado a caves do Vinho do Porto, em Gaia. Onde a minha querida avó trabalhou em limpezas: ia-se a pé, dali do Carregal, cortando as ruas velhas, atravessando a "ponte de baixo". O meu gosto era empoleirar-me em mesas e cadeiras até à clarabóia do telhado da minha casa e espreitar o luxo em que ali se vivia. Do outro lado do bairro ali encravado, havia uma quinta que ia pela à rua do Rosário até Miguel Bombarda. Pertencia ao Prof. Jaime Rios de Sousa e irmãs, mas nunca se via lá ninguém. Apenas - e do que gosto delas, desde sempre - maciços de japoneiras, camélias de todas as cores e feitios, palmeiras e árvores imponentes. E daí a minha pergunta de tantos anos: porque é que não se podia brincar naquele espaço tão bonito e solitário, tão abandonado? Coisas que as crianças engendram na cabeça e as marcam para sempre. Às vezes sonho com esses lugares. A casa está lá, recuperada, dois grande plátanos que conheci sobreviveram na entrada, CC, garagens, mais um condomínio e tal. Ah... a memória Tantas vezes dói. Abçs para vós
Bettips 

E dos lugares na actualidade, ou seja 2007... espreitando eu em bicos de pés do pátio do Centro Comercial que ali surgiu, imagens perdidas na desconstrução das existências:




Ainda sobrava a palmeira e o merlão em pedra que franqueava o grande portão em ferro, pintado de verde


Subsiste, o cruzamento da história com a lembrança. E nada disto está escrito mas está, sim, inscrito. Nas pedras que restam e que me conhecem.

Planta antiga, anos 60 ??? retirada algures dos arquivos das plantas da cidade.



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