Wednesday 25 September 2024

4 dias em Lisboa II

Um dos lugares que me "chamava os sentidos" era o Parque dos Poetas. Estando por ali, Oeiras, visitou-se. Pedras, esculturas de poetas/escritores, deambular pelas palavras lembrando as pessoas delas. Que os que fazem a vida comum em Poesia são como alicerces de casas, eternamente em construção. À entrada do parque estava esta inscrição: é uma citação mais ou menos conhecida de que não se sabe a origem, chinês ou árabe.

"A pedra e a palavra depois de lançada não volta atrás". E tão bem o percebemos, nas nossas vidas diárias e na convivência com os outros. 

O Parque é muito bonito, cheio de estátuas, pedras em diversas posições como esculturas naturais, vegetação e recantos. Os nomes que notei e fotografei, agora percebendo que me falharam muitos. Alguns eram apenas inscrições e citações poéticas em lajes no chão, que ia lendo no andar dos caminhos, cruzando-me com eles na surpresa das letras.

Florbela Espanca morreu com 36 anos (1894-1930) e é uma referência antiga para mim, mulher de um tempo avançado para aquela época. Pela sua vida tão diversa, tão amargurada, desde o nascimento à morte. Vida íntima indescritível, a não ser pelos traços poéticos profundos que espelham a sua alma, em chama e sofrimento. Em Vila Viçosa, onde nasceu, visitei o seu túmulo: esta uma fotografia da estátua no jardim principal da vila, creio que tirada em 2009. Tenho a antologia dos seus sonetos, livro de 1974, versos de uma cadência vívida que referem o Alentejo e a sua solidão maior. Um amor silenciado.

E da escultura tirei várias fotografias no parque, de ângulos diferentes. Como uma flor-bela: "Ser a moça mais linda do povoado..."


 


As veredas com pedras feitas árvores


Mário de Sá Carneiro (1890-1916), outro poeta que morreu tão jovem: "Um pouco mais de sol e era brasa..."

 

António Ramos Rosa (1924-2013), o ofício da palavra. Sobre os elementos que lhe são mais caros: o ar, a água, a terra, a luz. "Não posso adiar o amor..."


José Gomes Ferreira (1900-1985), o poeta e militante das causas tão caras à democracia. Como disse a propósito da sua mudança aos 4 anos para Lisboa: "Longe das árvores, no roldão poeirento das cidades.."


David Mourão-Ferreira (1927-1996). O poeta do amor e da sensualidade, nesta escultura de mulheres pensantes, tão significativa: "Nós temos cinco sentidos, são dois pares e meio de asas..." ou mais explicitamente, ele quando fala dos seus amores: "Desvio dos teus ombros o lençol..."


Sophia de Mello Breyner Andersen (1919-2004), de pé sobre a paisagem invulgar da sua vida: "Esta é a madrugada que eu esperava..."

Eugénio de Andrade (1923-1993). O belo Poeta da Foz, o controverso homem intemporal, dos poemas breves, na sua simplicidade de eterno adolescente. Assim me parece e quando aparece, reconheço-o. "Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta..."

Natália Correia (1923-1993), uma mulher de tempestades e voz vibrante. Uma sonoridade em tudo em que se envolveu, sociedade, amor, política: "...Ó subalimentados do sonho: a poesia é para comer".

Vitorino Nemésio (1901-1995). Aparecido e falando com a voz das ondas do mar imenso, profeta da terra onde nasceu, de uma cultura e urbanidade ímpares: "A minha casa é concha como os bichos/Segreguei-a de mim com paciência..."


Miguel Torga (1927-1995), um escritor de montanhas e horizontes vastos, é assim que o recordo. "Agora que o silêncio é um mar sem ondas/e que nele posso navegar sem rumo..."

Infelizmente, um (des)humano qualquer fez um pichagem na escultura. Inevitavelmente, as bestas da incultura e maldade. Ou como ele descreveu na barbaridade de alguns personagens do seu livro "Os Bichos": eu penso que esta gente nem isso é.

***

Procurei alguns elementos da escrita e dos personagens que conhecia de há muito. Reparei que estes que reproduzo pertencem todos praticamente à mesma época. Mas esta busca de datas e factos deu-me imenso gosto e vi que muitos ainda viram a concretização dos seus ideais de Liberdade, tendo vivido o nosso 25 de Abril de 1974. 

De facto, li agora que este parque foi planeado e construído em 3 fases, pelo que não devo ter visto nem metade...

Nesse dia de Poetas, fomos depois navegando pela cidade, e às 5h da tarde estávamos a lanchar no Clube dos Ferroviários com esta vista "por outro lado".





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