As minhas coisas à solta: Caminhos de Santiago VII

Às 8h da manhã, estávamos a andar e a ver o sol a levantar-se. Atravessando a fronteira em direcção a Santiago de Rubiás, em pleno Couto Mixto. Que poderia escrever "Misto" mas acho graça à pronúncia galega, mais áspera.

Um enclave-país que existiu entre Portugal e Espanha, durante cerca de 800 anos, mais precisamente até 1864. Com cerca de 27 km2, incluía terras e aldeias de Espanha e Portugal, sem pertencer a nenhuma "coroa". De tudo o que li sobre este lugar muito especial, relembro que
- escolhiam entre todos os habitantes os seus chefes e um juiz
- podiam optar por uma das nacionalidades, portuguesa ou espanhola
- estavam isentos de pagar impostos ao governo central ou de fronteira alfandegária
- não cumpriam serviço militar e podiam mesmo impedir a passagem colunas militares pelas suas terras
- o uso de porte de arma era legal
- poderiam acolher, ou não, quem pretendesse asilo, excepto em caso de crimes de sangue
O caminho privilegiado dentro do Couto Mixto situava-se entre Santiago de Rubiás e Tourém. Com a delimitação de fronteiras no séc. XIX, com o Tratado de Lisboa, ficamos nós com Tourém. Tinha uma extensão de +- 7 km, rota marcada, totalmente livre de controlo, e por onde passavam tecidos, produtos de farmácia, sal marinho ou tabaco.
(relembro a minha boneca espanhola, quase do meu tamanho, aos 4/5 anos, que dizia "papá, mamã", os caramelos pastosos, cor de café com leite, que alguém trazia, escondido?? os perfumes Tabu, La Toja ou Maderas do Oriente)
A história desses povos da raia, com muitos pormenores, é extremamente interessante. Há, desde há algumas décadas, associações de amigos e "vecinos" que tentam preservar a memória destes lugares.
Tivemos a oportunidade de percorrer alguns quilómetros desse caminho, entre Santiago de Rubiás e Rubiás.

A igreja de Santiago de Rubiás numa visita de pormenor

Homenagem em estátua ao último juiz honorário, português de Tourém, por acaso, no largo da igreja onde se fariam as assembleias democráticas para eleger um representante de cada aldeia. Eram três, "Homens de Acordo", e um juiz.

E ali estava já o santo que deu o nome à caminhada, dado que por aqui também passava um dos caminhos de peregrinação.

Aos três eleitos pelos habitantes do Couto Mixto, eram fornecidas 3 chaves. E só quando os três estivessem "de acordo", se abriria a Arca da Lei onde estavam todos os papeis ou declarações, com nomes, censos, demarcações e documentos que reconheciam os direitos dos habitantes.