Monday 10 December 2018

Caminhos de Santiago XXIII - Santiago de Compostela 1

7h da manhã nos nossos corpos portugueses! Já caminhávamos da estação de autocarros para uma visita à Catedral e cidade e, quem quisesse, assistir à missa.
O último dia da viagem também continha indicações "visita guiada, tempo livre" tal e tal, o que, ao fim destes dias todos, verificamos ser uma figura de retórica.
Houve quem andasse de posto em posto para obter o carimbo de "peregrino" em passaporte próprio e em lugares indicados, houve quem se dispersasse, houve quem se juntasse.
Nós tínhamos estado e passeado em Santiago, algumas vezes e há alguns anos. Sobre a Catedral há imensa informação que me abstenho de reproduzir. Fiz esta viagem com a intenção de viajar/ver/sentir, libertar-me na paisagem, mais uma peregrinação interior, admirar e pensar o que moveu tanta gente a fazê-lo há mais de mil anos (inícios do séc. IX).

É difícil conjugar esforços, opiniões. Cada um observou coisas diferentes, momentos ou (alguns) olhares que não se repetem.

Pelas (outras) sensações de M. ando, na tarde da chegada e manhã (diversa) de Santiago, com as suas fotos:





E as palavras, também de M., breves e esclarecedoras:
"Há momentos em que me basta a simplicidade de um corrimão para que eu sinta a presença de um lugar."




(isto digo eu: preparavam a manhã ou a sesta do santo e derivados?)

Há recantos tão harmoniosos que são poesia pura,


e janelas de tanta alegria!

Ocorre-me António Gedeão e a sua "Pedra Filosofal", "Eles não sabem que o sonho... pináculo de catedral..."
"...base, fustre ou capitel,
arco em ogiva, vitral..."



Como dizer "estou aqui", com delicadeza,
 ou como antes estive, "há que tempos aqui estou",
ou "abre-me a porta"

Sobre o relógio de sol (achamos graça ambas a este apontar o tempo pelo astro mas eu estaria não sei onde...), eis o que sugere a fotografia, no pensamento, no discorrer de M.:

Pouco passava do meio dia quando deixei Santiago de Compostela a caminho de casa. Já tinha visitado algumas partes da cidade mas faltava-me espreitar uns certos recantos assinalados na agenda da viagem. Foi então que o vi, empoleirado no alto da parede. Lá estava ele, com o elegante ferro cravado no corpo a marcar a passagem do tempo: 9 horas e 35 minutos, segundo a leitura de um amigo mais entendido nestas coisas do que eu. Nada de pressas, ainda a manhã começava a adaptar-se à luz e o ambiente de séculos convidava-me a permanecer naquele claustro até ao limite possível concedido pelo guia galego que acompanhava o grupo. Esta mania de o sol ditar a nossa vida contraria-me, restringe-me os passos, atormenta o tempo que me pertence. A mim e a outros, talvez por isso há quem fique para trás a provocar horas e avisos. Seja como for, parece-me que esta coisa da sombra na pedra nos dá a sensação de que a vida se demora naquele jogo de sombras e luz. Tão diferente dos mostradores de relógios com ponteiros a rodar em conversas desencontradas de horas, minutos e segundos, dentro de caixas fechadas sem escapatória possível, à prova de água, à prova de choques, à prova de publicidade. Tão diferente também dos outros relógios onde se desdobram algarismos a um ritmo de presença e fuga diante dos nossos olhos. Apesar da inevitável interferência solar nas nossas existências, é bem mais bonito este rectângulo de pedra ao ar livre onde poisa o canto dos pássaros e escorrem gotas de água embaladas pelo vento. No entanto, para lá deste meu fervor idílico, imagino que talvez este tipo de relógio traga problemas a algumas pessoas: quando o sol se esconde e leva consigo os sinais de orientação, há quem possa ficar desatinado sem saber que rumo tomar. No caso dos nossos antepassados, resolveriam esse contratempo usando clepsidras para medir o tempo durante a noite. Quem as pudesse pagar, claro, a maioria das pessoas seria obrigada a contentar-se com a informação dada pelos sinos das igrejas.

O gosto de simples coisas.

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